sábado, 26 de setembro de 2009

Globalização

Não é tarefa fácil definir globalização. Entretanto é possível explicá-la por meio da observação e interpretação de vários acontecimentos que vêm ocorrendo no mundo e de seus impactos nas sociedades humanas.

Você deve ter estudado em suas aulas de História que nos séculos XV e XVI ocorreram as Grandes Navegações. Portugueses, espanhóis, ingleses, franceses, holandeses e, em menor escala, outros povos europeus puderam navegar em alto-mar ou se afastar do litoral europeu.

Isso foi possível graças ao avanço das técnicas de navegação, motivado pela política colonial de expansão territorial, que lhes permitiu chegar a terras americanas, africanas, asiáticas e, posteriormente, da Oceania, em busca de produtos para serem comercializados e de novos mercados.

Em vista disso, podemos dizer que, com as Grandes Navegações ou com a ampliação do horizonte geográfico europeu, ocorreu um processo de europeização dos diversos lugares colonizados pelo europeu. Deu-se, assim, a transplantação e a imposição, em especial, da cultura européia (hábitos, costumes, idéias, instituições) e do modo de organizar ou estruturar a economia ou produção, tendo como base o nascente capitalismo. Ocorreu também a troca cultural, isto é, elementos culturais dos nativos africanos, americanos e asiáticos, como, por exemplo, hábitos alimentares, foram adquiridos pelos europeus e vice-versa.

A europeização do mundo se prolongou por mais de quatro séculos, período em que durou a liderança européia no mundo. Explicando melhor: foi um longo período em que alguns países ou Estados europeus (Inglaterra, França, Espanha, Portugal, Holanda e Bélgica) lideraram as relações internacionais pelo colonialismo (século XVI ao XVIII) e pelo neocolonialismo e imperialismo (século XIX e parte do XX). Donos do mundo, impuseram uma ordem mundial capitalista conveniente a eles. Essa expansão do modo de organizar a vida socioeconômica, ou seja, do capitalismo — chamada também de mundialização do capitalismo — deve ser entendida como uma fase inicial da globalização.

Após a europeização do mundo, ocorreu a sua americanização — processo iniciado logo após a Primeira Guerra Mundial (1914-1918) e que se intensificou após a Segunda Guerra Mundial (1939-1945) —, quando os Estados Unidos despertaram como uma superpotência industrial e financeira, passando a competir no mercado internacional com os países industrializados da Europa.

As suas empresas industriais, comerciais e de serviços (bancos, seguradoras, companhias de turismo, de transporte, de publicidade etc.) começaram a se espalhar por todo o mundo. O mercado interno dos Estados Unidos já não era mais suficiente para atender ao desejo de expansão ou crescimento dessas empresas, ávidas por lucros. Segundo os seus executivos, havia a necessidade de conquistar novos mercados por meio da implantação de suas filiais em diversos países subdesenvolvidos. Afinal, estes ofereciam mão-de-obra e matérias-primas baratas, mercado consumidor, uma organização sindical dos trabalhadores com fraco poder reivindicatório — diferente do existente nos Estados Unidos e na Europa —, incentivos fiscais (isenção de pagamento de certos impostos) e construção de infra-estrutura (estradas, rede de comunicação etc.).

Assim, de 1945 (fim da Segunda Guerra Mundial) aos nossos dias, ocorreu um intenso processo de transnacionalização ou internacionalização do capital produtivo e financeiro, isto é, a formação e expansão de grandes empresas transnacionais industriais, comerciais, bancárias etc., com atuação em praticamente todos os países do mundo, com exceção dos países socialistas da época. Cumpre lembrar que essa expansão não foi feita apenas por empresas transnacionais dos Estados Unidos. Empresas européias (francesas, alemãs, italianas, holandesas, suecas, inglesas etc.) também participaram do processo, após a recuperação econômica de seus países, vitimados pela guerra.

Foi a partir de 1945 que o acirramento das disputas entre as transnacionais pelo mercado mundial levou-as a investir grandes somas de dinheiro em pesquisa científica e tecnológica. Tal fato, como vimos no quadro 5.C, deu origem à Terceira Revolução Científica e Tecnológica, que ainda se encontra em andamento.

O uso da ciência e da tecnologia avançada, a posse de grandes recursos financeiros e o domínio de técnicas de comercialização e administração empresarial dão às transnacionais um poder político, econômico e financeiro muito grande no mundo (veja o quadro 6.A). Graças ao seu poder, estabelecem a ordem mundial que mais lhes convém.
planejamento governamental ou estatal em

É sabido, por exemplo, que presidentes ou governantes de países desenvolvidos ou de tecnologia avançada são eleitos com a ajuda — financiamento de suas campanhas eleitorais — das transnacionais; em troca, os governantes protegem os interesses dessas empresas. Já se sabe que, acima de muitos governantes, há o poder das transnacionais. E isso não ocorre somente em países desenvolvidos, mas praticamente em todo o mundo; quando não são as transnacionais, são grupos de endinheirados locais que elegem os governantes. E preciso considerar, contudo, que muitas mudanças realizadas pelas transnacionais nos países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento tëm representado progresso e melhoria das condições sociais de sua população: substituição de trabalhos pesados e perigosos por máquinas, elevação da capacidade produtiva de vários setores da economia, aparecimento de novos medicamentos, inovações tecnológicas nas comunicações e nos transportes etc.

Esse período a que nos referimos, que se estende do fim da Segunda Guerra Mundial a aproximadamente 1990, pode ser chamado de outra fase do processo de estruturação da globalização.

A fase seguinte teve início com o fim do socialismo real na ex-União Soviética e nos países do Leste Europeu, portanto a partir de aproximadamente 1989 ou 1990.

Com o fim do socialismo real, o capitalismo se mundializou, ou seja, tornou-se o sistema hegemônico de organização socioeconômica no mundo. Em vista disso, o mercado consumidor mundial e as possibilidades de negócios se ampliaram consideravelmente para as transnacionais.

As populações dos países socialistas foram, então, incorporadas à economia de mercado ou ao capitalismo, situação bastante vantajosa e lucrativa para as corporações transnacionais.

Na década de 1990, a globalização acelerou-se de forma acentuada. Com o desaparecimento do sistema que historicamente se opunha e se confrontava com o capitalismo na disputa por áreas de influência política e econômica, o mundo tornou-se um só do ponto de vista econômico.

Transcorridos vários anos do processo de implantação da globalização, cumpre alertar que essa expressão apresenta vários usos:

  • Refere-se à maior dispersão da atividade econômica nos espaços geográficos mundiais, comandada pelas transnacionais e não mais pelo planejamento governamental ou estatal em vários países, reduzindo-se, assim, o papel do Estado na economia.
    • Corresponde à liberalização e maior abertura das economias nacionais, ou seja, dos países ou nações; isso ocorreu em virtude da relativa quebra das barreiras comerciais dos países do Sul (subdesenvolvidos ou em desenvolvimento), decorrente das pressões exercidas pelas corporações transnacionais interessadas em ampliar os seus negócios.
    • E utilizada também, como vimos anteriormente, para referir-se à propagação mundial do capitalismo, em decorrência do fim do socialismo real.
    • Corresponde à transnacionalização das economias, não só do Norte, mas principalmente do Sul.
    • Corresponde ao aumento considerável de fluxos de capitais (dinheiro), mercadorias, idéias, valores (veja o quadro 6.B), imagens, conhecimentos, informações, doenças (aids, por exemplo), criminalidade, pessoas (movimentos migratórios do Sul para o Norte e de Leste para Oeste, ou seja, saída de migrantes do Leste europeu para a Europa Ocidental e para os Estados Unidos, o Canadá e outros).
    Vê-se, assim, que o termo “globalização” tem vários usos ou pode referir-se a vários aspectos do que vem ocorrendo no mundo. Com a finalidade de esclarecer melhor esse processo ainda em andamento, podemos explicar algumas de suas características no próximo tópico, ampliando, por conseguinte, a sua compreensão.

    Explicação de algumas características da globalização

    Dentre as principais características econômicas da globalização, podemos citar:
    • internacionalização da produção, que é controlada, principalmente, pelas corporações transnacionais;
    • internacionalização das finanças, ou seja, a grande movimentação de capital financeiro entre os países é realizada por bancos e instituições financeiras, empresas, agências ou escritórios de corretagem de títulos e ações espalhados em vários países;
    • intensificação da economia especulativa;
    • alteração na divisão internacional do trabalho ou nova regionalização das empresas,
    • fragilização dos Estados nacionais.

    Essas características criam impactos nos territórios e sociedades dos países subdesenvolvidos, tornando-os mais dependentes dos centros do capitalismo mundial (Estados Unidos, Europa Ocidental e Japão, a chamada Tríade do Capitalismo).

    A intensificação da economia especulativa
    Vimos no capítulo 5 que a expressão “especular” significa fazer operações financeiras ou comerciais com bens negociáveis, a fim de tirar proveito da variação de preços. Por exemplo, o dólar é a moeda utilizada nas transações comerciais mundiais. E também utilizado para viagens ao exterior. Um brasileiro que vai viajar, por exemplo, para o Reino Unido, o Japão ou outro país não deve levar o real (R$), pois ele não será aceito. Ele deve, antes de viajar, ir até o Banco do Brasil ou outra instituição financeira, como as casas de câmbio, e comprar dólares, ou seja, trocar reais por dólares norte- americanos (isso se chama câmbio, isto é, troca). Chegando ao Reino Unido, ao Japão ou outro país, ele trocará os dólares pela moeda local (libra esterlina, no caso do Reino Unido, e iene, no caso do Japão).

Em todos os países, o dólar norte-americano, por ser a moeda internacional, pode ser convertido em moeda local. Geralmente o valor do dólar é maior do que o da moeda local. Por exemplo, no Brasil, em março de 2002, para comprar 1 dólar você precisava dispor de R$ 2,40 (dois reais e quarenta centavos). Essa relação entre as duas moedas é chamada de taxa de câmbio.

Em 1975, aproximadamente 80% das trocas de uma moeda nacional por outra eram realizadas por meio de negócios entre compradores e vendedores de produtos e serviços. Os restantes 20% eram empregados em transações especulativas de compra e venda de moedas pelos bancos, empresas etc. Para entender isso, tomemos como base a moeda do Brasil em março de 2002: os especuladores compram o dólar na baixa ou quando ele está com um certo valor, digamos de R$ 2,40; uma grande compra provoca, por sua vez, uma diminuição de oferta dessa moeda no mercado; a diminuição da oferta acarreta o aumento de seu valor de câmbio ou de troca, isto é, ele passa a ser negociado a um valor maior, suponhamos, de R$ 2,48; se o especulador achar interessante, colocará no mercado os dólares (comprados anteriormente a R$ 2,40) e os venderá por R$ 2,48.

Como o especulador tem grande poder de compra, ou seja, pode comprar milhares ou milhões de dólares, o seu lucro com a venda dessa moeda torna-se gigantesco em poucos dias ou semanas.

Com a globalização, o que ocorreu? Aumentou a atividade especulativa sobre as moedas. Calcula-se que, em 1997, as transações especulativas de compra e venda de moedas absorveram 97,5% do total das trocas de uma moeda nacional por outra, ou seja, apenas 2,5% representaram trocas comerciais por produtos ou serviços.

Os especuladores cambiários (de câmbio, de compra e venda de moedas) são os bancos e as empresas constituídas para tal fim.

A internacionalização das finanças e o aprofundamento da economia especulativa de moedas somente se tornaram possíveis graças à liberalização e à desregulamentação das economias nacionais, mas também em virtude do avanço, nos últimos vinte anos, da tecnologia da eletrônica, que permite a movimentação instantânea de dinheiro por intermédio das redes de computadores integradas em escala global.

Essas tecnologias e outras, fruto da Terceira Revolução Científica e Tecnológica, romperam as distâncias na comunicação. Os lugares mais distantes tornaram-se muito próximos. Com um simples aperto da tecla do computador, esperto do mercado financeiro transferem milhares ou milhões de dólares da Bolsa de Valores de um país para o outro.

Há, na verdade, com a globalização, um crescente interesse pela instabilidade do câmbio ou do mercado de moedas nacionais por parte dos especuladores. As grandes oscilações das taxas de câmbio ou dos valores das moedas nacionais — principalmente nos países chamados pelos especuladores e pela mídia de mercados emergentes (Brasil, México, Índia, Coréia do Sul, Taiwan, Malásia, Indonésia, Argentina etc.) — possibilitam aos especuladores grandes lucros.
E importante ressaltar que esses investimentos em moedas não são investimentos produtivos, ou seja, investimentos na abertura de indústrias, no comércio, no setor de prestações de serviços ou na agropecuária, enfim, em atividades que geram empregos e riquezas. São investimentos que beneficiam apenas aqueles que possuem o grande capital e prejudicam a maioria da população, pois esses ataques especulativos deixam as economias nacionais desequilibradas, geram falências, desemprego e encarecem os produtos, complicando ainda mais a vida da população de baixa e média renda.

Vê-se assim que a liberalização e a globalização dos mercados financeiros são um grande presente para o grande capital. Permitem que eles atuem em escala global, ou seja, em todo o mundo, independentemente dos desastres que causam para as economias e sociedades nacionais.

Alteração na divisão internacional do trabalho (DIT) ou nova distribuição territorial das empresas

Com a globalização, observa-se a alteração da divisão internacional do trabalho, cujo conceito já estudamos no capítulo 5. Surgiu uma nova DIT no interior das próprias empresas transnacionais, ou seja, a distribuição das funções produtivas não se encontra mais concentrada num único país, mas espalhada por vários países e continentes. Por exemplo, uma empresa transnacional fabrica um componente de seu produto num país, fabrica outro num segundo país, faz a montagem do produto com os componentes fabricados em outros países num terceiro, enquanto o centro financeiro da empresa está sediado num outro país, geralmente no país de origem da transnacional. E, portanto, uma nova DIT, realizada segundo estudos feitos pelas transnacionais com a finalidade de obter vantagens (redução dos custos de matérias-primas e mão- de-obra, redução ou isenção de impostos por parte dos países onde ela se instala etc.). Possuindo um eficiente sistema de distribuição e contando com sofisticados sistemas de transporte e comunicação, que “encurtaram” o espaço mundial, os seus produtos chegam a todos os cantos ou lugares do mundo.

A fragilização dos Estados nacionais

Com a globalização observa-se uma mudança significativa da função do Estado. De protetor das economias nacionais e provedor do bem-estar social, ele vem se adaptando à nova realidade globalizada ou à nova ordem (ou desordem) mundial. O Estado assumiu a função de agente executor da adaptação das economias nacionais às exigências da economia globalizada, comandada pelas grandes corporações transnacionais, pelo FMI e pelo Banco Mundial.
Como já citamos na página 78, a fragilização dos Estados nacionais e de suas sociedades se deu com a aplicação do receituário ditado pelo grande capital:
• abertura das economias nacionais para o exterior, facilitando, por conseguinte, a entrada de produtos estrangeiros;
• desregulamentação das economias nacionais, ou seja, o fim das dificuldades, dos obstáculos ou regulamentos à entrada de capitais estrangeiros em setores das economias nacionais que antes eram protegidos pelo Estado, como, por exemplo, telefonia, eletricidade, petróleo etc.;
• privatizações das empresas estatais, principalmente na década de 1990, quando muitas delas foram compradas por empresas transnacionais, nacionais em todo o mundo. No Brasil, por exemplo, a telefonia fixa e a móvel foram compradas, em grande parte, por empresas estrangeiras; o mesmo ocorreu nos setores siderúrgico, petroquímico, bancário, editorial , nos serviços de eletricidade, de transportes etc., o que provocou desnacionalização das atividades econômicas ou da economia.

Em meio a todas essas mudanças ou fluxos, a questão ambiental surgiu, a partir da década de 1970, com uma força sem precedentes na história das sociedades humanas (veja o quadro 6.C). Isso ocorreu por causa da degradação da natureza, dos ambientes naturais e humanos e dos ecossistemas, resultante das revoluções industriais e das novas relações entre as sociedades e a natureza, nas quais se inclui o novo modo de viver,que tem como base a sociedade de consumo.

Assim, o espaço geográfico vem sofrendo grandes transformações com a globalização. Isso se manifesta por meio de novas localizações industriais, especializações produtivas de regiões ou países, impactos das novas tecnologias no meio ambiente, na produção e na sociedade, reorganização de espaços urbanos, tanto dos países desenvolvidos quanto dos subdesenvolvidos ou em desenvolvimento, para se adaptarem à nova realidade histórico-espacial, na qual se destaca a conexão com as redes mundiais de comunicação, comércio, finanças, produção e turismo.

Além do espaço geográfico, o tempo também está em transformação. Prova disso são os meios de transporte cada vez mais rápidos e os meios de comunicação global instantâneos: internet, tevê a cabo e fax. Espaço e tempo assumiram, por causa da Terceira Revolução Científica e Tecnológica, outra dimensão e duração: as distâncias espaciais se encurtaram e o tempo da comunicação se tornou instantâneo.



domingo, 20 de setembro de 2009

Renascimento

nascimento

Renascimento: conceito

A crise geral do século XIV foi também uma crise espiritual, a qual trouxe consigo uma profunda inquietação intelectual, caracterizada pela busca de uma nova visão do homem, de Deus e do Universo, além da necessidade de uma profunda renovação cultural que, em linhas gerais, rompesse com as concepções medievais.

Nesse contexto histórico, emergiu um amplo movimento intelectual, filosófico, artístico, literário e científico, que teve suas origens nas repúblicas italianas e que alcançou a sua plenitude nos séculos XV e XVI. Esse movimento ficou conhecido por Renascimento e procurou resgatar a Antiguidade Clássica e os valores da cultura greco-latina.


Davi de Michelângelo Buonarroti

A expressão renascimento foi popularizada em meados do século XVI, quando o artista (escritor, pintor e escultor) Giorgio Vasari (1511-1514) publicou sua obra Vidas dos Mais Exielentes Pintores, Escultores e Arquitetos, em 1550.

Essa expressão, no entanto, deve ser necessariamente questionada, uma vez que pressupõe um preconceito em relação aos séculos localizados entre a Antiguidade Clássica e a própria época dos renascentistas. Assim, a visão deturpada — e que foi amplamente divulgada — sobre a Idade Média, como um período de trevas, superstições, misticismo e ignorância, deve-se a muitos dos intelectuais do Renascimento.

E o mais grave é que as próprias origens desse movimento encontram-se nas amplas transformações pelas quais o Ocidente europeu passou desde o século XII, isto é, em plena “Idade Média”, expressão também cunhada à época do Renascimento.

De qualquer forma, o Renascimento pode ser entendido como o florescimento de um longo processo histórico desencadeado desde a Baixa Idade Média .Foi a riqueza gerada pelas atividades comerciais, notadamente nas repúblicas italianas, que possibilitou o financiamento da produção cultural renascentista. Como observou Nicolau Sevcenko: “o Renascimento, portanto, é a emanação da riqueza e da abundância e seus maiores compromissos serão para com ela”.

Humanismo: base filosófica do Renascimento

O termo humanistas, como intelectuais comprometidos com uma nova visão do homem e do Universo, foi difundido no século XV. No entanto, desde o século XIV, já era perceptível uma crescente insatisfação por parte de estudiosos com as concepções dogmáticas hieráquicas e com os valores culturais vinculados à igreja, até então dominantes.

Os humanistas, em sua maioria nascidos nas repúblicas italianas, buscavam uma revitalização e uma laicização cultural, condições essenciais à uma efetiva emancipação do espírito humano da tutela a que estivera submetido pelos eclesiásticos durante o período medieval. Aliás,estes, no período citado, eram os únicos detentores do saber (saber teológico), a ponto de a palavra clérigo designar não apenas aquele que pertencia a uma ordem religiosa, como também o que possuía a autoridade e, portanto, na concepção medieval, o conhecimento, contrapondo-se aos leigos

O Humanismo pode, então, ser entendido como um amplo movimento que tinha como finalidade, atualizar e dinamizar os estudos tradicionais com ênfase na critica, na filosofa, na matemática e no estudo dos clássicos. Enfim preocupava-se, fundamentalmente, com estudos humanos — estudia humanitatis.

Para os humanistas, era preciso resgatar a cultura greco-latina, uma vez que para eles as civilizações grega e romana eram entendidas como aquelas que mais teriam valorizado o ser humano e suas várias dimensões.

Assim, tornava-se necessário revitalizar os estudos das línguas clássicas (grego e latim) condição essencial para, num segundo momento, estudar-se não apenas a história dos antigos gregos e romanos, mas também suas amplas realizações nos diversos campos do conhecimento. Os humanistas entendiam, ainda, que era preciso resgatar a pureza do latim clássico.

Essa preocupação era constante entre os humanistas, como o poeta Francesco Petrarca (1304- 1374), o mais conhecido de todos os incentivadores do movimento humanista.

O resgate dos clássicos pelos humanistas não se traduziu numa simples cópia do que os antigos gregos e romanos haviam realizado. Grécia e Roma foram referências e modelos que deveriam ser retomados à luz do contexto histórico do Humanismo. A expressão humanista nas artes, na literatura, na filosofia e na ciência foi o “impulso dinâmico”, centrado na máxima valorização do homem e de suas realizações, que levou às várias criações do movimento renascentista.

Essa vinculação entre o Humanismo, entendido como uma redescoberta da capacidade infinita de criação do homem, e o Renascimento foi bem explicitada por Leonardo da Vinci (1452-1519), considerado por muitos autores como o “homem- síntese” do movimento renascentista.

Leonardo da Vinci, pintor, escultor, arquiteto, inventor e engenheiro, desenvolveu também estudos de Anatomia humana, óptica, mecânica, cartografia, física, hidráulica e urbanismo. A multiplicidade de seu gênio criativo refletiu com bastante nitidez o ideal humanista, fundamento básico do movimento renascentista.

É importante considerar que os humanistas procuravam valorizar o que havia de divino nos homens, impulsionando seu potencial para criar, agir sobre a natureza e, dessa maneira, transformar o mundo, de acordo com sua própria vontade, O homem era, assim, elevado à condição de criador (antropocentrismo), deixando de ser entendido como simples criatura subordinada à vontade de Deus (teocentrismo), concepção dominante na Idade Média.

Essa nova visão foi expressa também com bastante clareza por William Shakespeare (1564-1616), dramaturgo inglês que, numa de suas mais conhecidas tragédias, MacBeth, revelou o ideal humanista, a ousadia e a audácia de quem não mais se deixa limitar pela ética medieval, na passagem em que o personagem principal, o próprio Macbeth, afirma:

“Ouso tudo o que é próprio de um homem;

Quem ousar fazer mais do que isso, não o é.”

Não por acaso, Leonardo da Vinci escreveu que “dentre todas as maravilhas do universo, nada se compara ao homem”.

Razões do pioneirismo italiano

À época do Renascimento, a Itália existia apenas como uma expressão geográfica e cultural. Sua unidade política, diferentemente do que ocorrera com outros países europeus (Portugal, Espanha, França, Inglaterra, etc.), somente se concretizou no século XIX (1870).

Alguns fatores contribuíram para a fragmentação política e a dificuldade de constituição do Estado-Nação, como a rivalidade entre as Cidades-Estados e a própria existência de territórios na Península Itálica diretamente controlados pela Igreja— os Estados Pontifícios.

Entre as principais Cidades-Estados destacaram-se as repúblicas de Veneza e Gênova por sua expressiva participação no comércio euro-asiático que se desenvolvia no Mediterrâneo desde o início da Baixa Idade Média. Mereciam destaque também as repúblicas de Florença e de Siena, além do Ducado de Milão.


Florença - Italia


Um dos fatores que explicam o pioneirismo italiano foi o conjunto de transformações econômico-sociais que se operaram nas principais cidades italianas. O intercâmbio comercial e o monopólio italiano no Mediterrâneo foram fatores que se articularam e contribuíram para o dinamismo cultural e intelectual.


Outro ponto que merece ser destacado é a tradição clássica mais vigorosa na Península Itálica, berço do Império Romano, além da existência de expressiva quantidade de ruínas e obras de arte da época dos antigos romanos e gregos que despertavam enorme entusiasmo entre os humanistas. É importante considerar que, antes mesmo da formação do Império Romano, colônias gregas foram fundadas no sul da Península Itálica, então denominada Magna Grécia.


O próprio fracionamento político destacou-se como uma das razões para o pioneirismo italiano: às rivalidades políticas e econômicas entre as repúblicas somava-se o desejo de cada uma delas de superar as demais na construção de grandes obras de arte, tanto no campo da pintura e escultura quanto no campo arquitetônico, com a construção de palácios, bibliotecas e catedrais por exemplo.


Para as grandes famílias que dominavam o poder político nas cidades-estados, como os Médicis, em Florença, e os Sforzas, em Milão, era importante apoiar e financiar os humanistas, artistas, poetas e escritores. Essas famílias buscavam reconhecimento e prestígio para si próprias e para suas cidades, tornando-se mecenas, isto é, protetoras e incentivadoras das artes e das letras. E mais: ao contribuírem para o resgate da grandeza do antigo passado clássico, afirmavam sua hegemonia no presente e sinalizavam para o seu grande potencial no futuro.


Casal Arnolfini - Jan van Eyck


A maior parte das cidades italianas do século XIV e XV fez com que exatamente entre elas o mecenato, fosse mais intenso. Sua burguesia mercantil e financeira, agindo dessa maneira- apoio direto às artes - acabou ampliando as modestas funções e os acanhados limites das cidades medievais.


O movimento renascentista não se limitou às cidades italianas. Se ele foi um fenômeno tipicamente italiano no século XV já no século XVI expandiu-se para outras regiões da Europa, notadamente a Espanha, França, Portugal, Alemanha e Países Baixos. Em cada uma dessas áreas apresentou características específicas.


Características do movimento renascentista

Numa abordagem mais generalizante, podem-se observar os elementos definidores do Renascimento apresentados a seguir.


Escola de Atenas


Classicismo: O Renascimento voltou-se para a Antiguidade, mas, conforme se observou, não para tentar revivê-la. Não é uma simples “volta” ao passado; na realidade, é muito mais uma reinterpretação dos valores greco-latinos.


Individualismo: Contrapondo-se à humildade cristã e ao anonimato, valores tipicamente medievais, os renascentistas, ao afirmarem a grandeza do homem e de suas infinitas possibilidades, destacaram

capacidade individual de criação do ser humano. Com certeza, se a mesma pergunta fosse feita a qualquer um dos grandes mestres da arte renascentista, como Michelangelo (1475-1564), Botticelli (C.1444-1510) ou Rafael

(1483-1520), estes responderiam que eram “apenas” Michelangelo, Botticelli e Rafael. No contexto do Renascimento, um dos grandes processos da modernidade européia, afirmou-se o mais completo individualismo; já não era mais necessário ser “de onde” para ser alguém.


Hedonismo: Traço essencial da Renascença, pressupunha a busca incessante do sublime e da beleza existentes na natureza e no próprio homem. Os prazeres sensoriais deveriam, nessa concepção, produzir uma plena realização espiritual e a auto-satisfação. A busca do prazer passou a ser uma constante, também em oposição ao ascetismo medieval.

A Virgem de Rochedos


Naturalismo: A integração do homem à natureza e a redescoberta da íntima ligação com o Universo marcaram o movimento renascentista. Procurou-se superar o fantástico, o místico e o sobrenatural, numa tendência que também se contrapunha às concepções medievais.


Antropocentrismo: Em oposição ao teocentrismo medieval, o Renascimento entendia o homem como o centro do Universo, concebendo-o como a medida de todas as coisas, como aquele que, independente da vontade de Deus, faz a sua própria história. Também aí verifica-se uma ruptura com as concepções medievais, segundo as quais o ser humano e suas ações nada mais eram do que uma extensão da vontade do Criador. De acordo com esse simbolismo medieval, a vida do homem nada mais era do que uma caminhada em direção a Deus, cabendo à Igreja o papel de guia. Evidentemente, a visão antropocêntrica apresentava novas perspectivas para o espírito humano. Era preciso resgatar o que havia de “divino” no homem.


Espírito crítico: Os humanistas e cientistas do Renascimento, marcados profundamente pelo pensamento leigo e secular, não mais aceitaram as explicações místicas e alicerçadas na autoridade dos textos sagrados que predominaram na Idade Média. Valorizavam, sobretudo, a experimentação como meio para se atingir o conhecimento científico da realidade. Tal procedimento abriu espaço para um grande desenvolvimento da Matemática, da Arquitetura, da Astronomia, da Física e da Medicina. Essa questão pode ser mais bem entendida quando se toma conhecimento de um interessante episódio ocorrido à época da construção da Catedral de Florença, em que os trabalhos foram interrompidos na primeira metade do século XIV, devido à incapacidade da corporação de mestres de levantar uma cúpula que se sustentasse no ar. A comissão encarregada da construção, então, entregou a continuidade da obra ao arquiteto florentino Filippo Brunelleschi (1377-1446), que, ao assumir a direção dos trabalhos, demitiu em massa os mestres-de-obras, acusando-os de retrógrados, e depois os recontratou, segundo seus próprios termos. Baseado em novos conceitos artísticos, arquitetônicos e científicos, Brunelleschi construiu o domo da catedral, o qual se sustentava no ar sem apoio e com magnitude suficiente “para abrigar, à sua sombra, todo o povo da Toscana”. A construção da cúpula significou a vitória de um novo tipo de artista que, sem apego à tradição e às regras da Corporação, era capaz de dominar as implicações filosóficas do que fazia. Por isso, Brunelleschi foi capaz de projetar uma estrutura antes de construí-la. Percebe-se, nesse caso, a fusão da arte e da ciência, o que implicou numa revolução das técnicas artísticas e de construção, ao mesmo tempo

Em que se verificou a redução das formas e dos volumes ao seu princípio geométrico, possibilitando

Se alcançar a essência das coisas, valendo-se da proporção.


Catedral de Santa Maria Del Fiore


Racionalismo: O crescimento científico dessa época, marcado pelo método experimental, levou à rejeição das interpretações dogmáticas e à valorização da razão. Só se podia aceitar como verdade em ciência aquilo que o homem compreendia por meio de seu intelecto. Abandonaram-se, pois, superstições e lendas típicas do período medieval. Assim, verificou-se a subordinação do mundo real às leis físicas, o que contribuiu de maneira decisiva para o avanço da ciência moderna e para a superação do simbolismo medieval. Também contribuiu para o rompimento do monopólio que os letrados, sobretudo eclesiásticos, mantinham sobre a cultura escrita — a invenção da imprensa (caracteres móveis) em meados do século XV por Gutenberg (1394-1468). A partir de então, verificou-se, progressivamente, uma maior divulgação do saber nos vários campos do conhecimento.



Os limites do renascimento

É preciso, no entanto, relativizar o movimento renascentista e suas características, uma vez que suas várias manifestações nos campos das artes e das ciências ficaram, substancialmente, restritas às elites de seu tempo.

Assim, aprofundou-se o fosso entre cultura erudita e cultura popular.

Essa questão fica bastante clara quando se sabe que, em meados do século XVI, Nicolau Copérnico (1473-1543), em sua obra De Revolutionibus Orbium Coelestium (1543), afirmava que a Terra não ocupava o centro do Universo, e que esse lugar fixo cabia ao Sol, com os planetas girando ao seu redor. Poucos foram aqueles que o levaram a sério.

A maioria das pessoas continuou acreditando no sistema geocêntrico, de autoria do matemático Ptolomeu, que vivera no século II d.C. A explicação heliocêntrica de Copérnico foi considerada por muitos como absolutamente fantasiosa.

Portanto, apesar dos grandes avanços verificados nos vários campos da ciência e da beleza de sua arte, o Renascimento não conseguiu romper em definitivo com a mentalidade dominante, ainda profundamente marcada pela explicação dos fenômenos da natureza com base numa força superior ou divina.

No entanto, também é preciso considerar que naquele momento estavam sendo fundadas as bases do pensamento científico moderno. A ciência começava a emancipar-se de seus vínculos com as concepções medievais.

A razão de ser dos fenômenos naturais passou a ser entendida como imanente a eles próprios, isto é, a explicação para eles residia neles mesmos, sendo, portanto, independente da vontade divina ou de uma força superior ou externa.


O enterro do Conde de Orgáz