Você deve ter estudado em suas aulas de História que nos séculos XV e XVI ocorreram as Grandes Navegações. Portugueses, espanhóis, ingleses, franceses, holandeses e, em menor escala, outros povos europeus puderam navegar em alto-mar ou se afastar do litoral europeu.
Isso foi possível graças ao avanço das técnicas de navegação, motivado pela política colonial de expansão territorial, que lhes permitiu chegar a terras americanas, africanas, asiáticas e, posteriormente, da Oceania, em busca de produtos para serem comercializados e de novos mercados.
Em vista disso, podemos dizer que, com as Grandes Navegações ou com a ampliação do horizonte geográfico europeu, ocorreu um processo de europeização dos diversos lugares colonizados pelo europeu. Deu-se, assim, a transplantação e a imposição, em especial, da cultura européia (hábitos, costumes, idéias, instituições) e do modo de organizar ou estruturar a economia ou produção, tendo como base o nascente capitalismo. Ocorreu também a troca cultural, isto é, elementos culturais dos nativos africanos, americanos e asiáticos, como, por exemplo, hábitos alimentares, foram adquiridos pelos europeus e vice-versa.
A europeização do mundo se prolongou por mais de quatro séculos, período em que durou a liderança européia no mundo. Explicando melhor: foi um longo período em que alguns países ou Estados europeus (Inglaterra, França, Espanha, Portugal, Holanda e Bélgica) lideraram as relações internacionais pelo colonialismo (século XVI ao XVIII) e pelo neocolonialismo e imperialismo (século XIX e parte do XX). Donos do mundo, impuseram uma ordem mundial capitalista conveniente a eles. Essa expansão do modo de organizar a vida socioeconômica, ou seja, do capitalismo — chamada também de mundialização do capitalismo — deve ser entendida como uma fase inicial da globalização.
Após a europeização do mundo, ocorreu a sua americanização — processo iniciado logo após a Primeira Guerra Mundial (1914-1918) e que se intensificou após a Segunda Guerra Mundial (1939-1945) —, quando os Estados Unidos despertaram como uma superpotência industrial e financeira, passando a competir no mercado internacional com os países industrializados da Europa.
As suas empresas industriais, comerciais e de serviços (bancos, seguradoras, companhias de turismo, de transporte, de publicidade etc.) começaram a se espalhar por todo o mundo. O mercado interno dos Estados Unidos já não era mais suficiente para atender ao desejo de expansão ou crescimento dessas empresas, ávidas por lucros. Segundo os seus executivos, havia a necessidade de conquistar novos mercados por meio da implantação de suas filiais em diversos países subdesenvolvidos. Afinal, estes ofereciam mão-de-obra e matérias-primas baratas, mercado consumidor, uma organização sindical dos trabalhadores com fraco poder reivindicatório — diferente do existente nos Estados Unidos e na Europa —, incentivos fiscais (isenção de pagamento de certos impostos) e construção de infra-estrutura (estradas, rede de comunicação etc.).
Assim, de 1945 (fim da Segunda Guerra Mundial) aos nossos dias, ocorreu um intenso processo de transnacionalização ou internacionalização do capital produtivo e financeiro, isto é, a formação e expansão de grandes empresas transnacionais industriais, comerciais, bancárias etc., com atuação em praticamente todos os países do mundo, com exceção dos países socialistas da época. Cumpre lembrar que essa expansão não foi feita apenas por empresas transnacionais dos Estados Unidos. Empresas européias (francesas, alemãs, italianas, holandesas, suecas, inglesas etc.) também participaram do processo, após a recuperação econômica de seus países, vitimados pela guerra.
Foi a partir de 1945 que o acirramento das disputas entre as transnacionais pelo mercado mundial levou-as a investir grandes somas de dinheiro em pesquisa científica e tecnológica. Tal fato, como vimos no quadro 5.C, deu origem à Terceira Revolução Científica e Tecnológica, que ainda se encontra em andamento.
O uso da ciência e da tecnologia avançada, a posse de grandes recursos financeiros e o domínio de técnicas de comercialização e administração empresarial dão às transnacionais um poder político, econômico e financeiro muito grande no mundo (veja o quadro 6.A). Graças ao seu poder, estabelecem a ordem mundial que mais lhes convém.
planejamento governamental ou estatal em
É sabido, por exemplo, que presidentes ou governantes de países desenvolvidos ou de tecnologia avançada são eleitos com a ajuda — financiamento de suas campanhas eleitorais — das transnacionais; em troca, os governantes protegem os interesses dessas empresas. Já se sabe que, acima de muitos governantes, há o poder das transnacionais. E isso não ocorre somente em países desenvolvidos, mas praticamente em todo o mundo; quando não são as transnacionais, são grupos de endinheirados locais que elegem os governantes. E preciso considerar, contudo, que muitas mudanças realizadas pelas transnacionais nos países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento tëm representado progresso e melhoria das condições sociais de sua população: substituição de trabalhos pesados e perigosos por máquinas, elevação da capacidade produtiva de vários setores da economia, aparecimento de novos medicamentos, inovações tecnológicas nas comunicações e nos transportes etc.
Esse período a que nos referimos, que se estende do fim da Segunda Guerra Mundial a aproximadamente 1990, pode ser chamado de outra fase do processo de estruturação da globalização.
A fase seguinte teve início com o fim do socialismo real na ex-União Soviética e nos países do Leste Europeu, portanto a partir de aproximadamente 1989 ou 1990.
Com o fim do socialismo real, o capitalismo se mundializou, ou seja, tornou-se o sistema hegemônico de organização socioeconômica no mundo. Em vista disso, o mercado consumidor mundial e as possibilidades de negócios se ampliaram consideravelmente para as transnacionais.
As populações dos países socialistas foram, então, incorporadas à economia de mercado ou ao capitalismo, situação bastante vantajosa e lucrativa para as corporações transnacionais.
Na década de 1990, a globalização acelerou-se de forma acentuada. Com o desaparecimento do sistema que historicamente se opunha e se confrontava com o capitalismo na disputa por áreas de influência política e econômica, o mundo tornou-se um só do ponto de vista econômico.
Transcorridos vários anos do processo de implantação da globalização, cumpre alertar que essa expressão apresenta vários usos:
- Refere-se à maior dispersão da atividade econômica nos espaços geográficos mundiais, comandada pelas transnacionais e não mais pelo planejamento governamental ou estatal em vários países, reduzindo-se, assim, o papel do Estado na economia.
• Corresponde à liberalização e maior abertura das economias nacionais, ou seja, dos países ou nações; isso ocorreu em virtude da relativa quebra das barreiras comerciais dos países do Sul (subdesenvolvidos ou em desenvolvimento), decorrente das pressões exercidas pelas corporações transnacionais interessadas em ampliar os seus negócios.
• E utilizada também, como vimos anteriormente, para referir-se à propagação mundial do capitalismo, em decorrência do fim do socialismo real.
• Corresponde à transnacionalização das economias, não só do Norte, mas principalmente do Sul.
• Corresponde ao aumento considerável de fluxos de capitais (dinheiro), mercadorias, idéias, valores (veja o quadro 6.B), imagens, conhecimentos, informações, doenças (aids, por exemplo), criminalidade, pessoas (movimentos migratórios do Sul para o Norte e de Leste para Oeste, ou seja, saída de migrantes do Leste europeu para a Europa Ocidental e para os Estados Unidos, o Canadá e outros).
Vê-se, assim, que o termo “globalização” tem vários usos ou pode referir-se a vários aspectos do que vem ocorrendo no mundo. Com a finalidade de esclarecer melhor esse processo ainda em andamento, podemos explicar algumas de suas características no próximo tópico, ampliando, por conseguinte, a sua compreensão.
Explicação de algumas características da globalização
Dentre as principais características econômicas da globalização, podemos citar:
• internacionalização da produção, que é controlada, principalmente, pelas corporações transnacionais;
• internacionalização das finanças, ou seja, a grande movimentação de capital financeiro entre os países é realizada por bancos e instituições financeiras, empresas, agências ou escritórios de corretagem de títulos e ações espalhados em vários países;
• intensificação da economia especulativa;
• alteração na divisão internacional do trabalho ou nova regionalização das empresas,
• fragilização dos Estados nacionais.
Essas características criam impactos nos territórios e sociedades dos países subdesenvolvidos, tornando-os mais dependentes dos centros do capitalismo mundial (Estados Unidos, Europa Ocidental e Japão, a chamada Tríade do Capitalismo).
A intensificação da economia especulativa
Vimos no capítulo 5 que a expressão “especular” significa fazer operações financeiras ou comerciais com bens negociáveis, a fim de tirar proveito da variação de preços. Por exemplo, o dólar é a moeda utilizada nas transações comerciais mundiais. E também utilizado para viagens ao exterior. Um brasileiro que vai viajar, por exemplo, para o Reino Unido, o Japão ou outro país não deve levar o real (R$), pois ele não será aceito. Ele deve, antes de viajar, ir até o Banco do Brasil ou outra instituição financeira, como as casas de câmbio, e comprar dólares, ou seja, trocar reais por dólares norte- americanos (isso se chama câmbio, isto é, troca). Chegando ao Reino Unido, ao Japão ou outro país, ele trocará os dólares pela moeda local (libra esterlina, no caso do Reino Unido, e iene, no caso do Japão).
Em todos os países, o dólar norte-americano, por ser a moeda internacional, pode ser convertido em moeda local. Geralmente o valor do dólar é maior do que o da moeda local. Por exemplo, no Brasil, em março de 2002, para comprar 1 dólar você precisava dispor de R$ 2,40 (dois reais e quarenta centavos). Essa relação entre as duas moedas é chamada de taxa de câmbio.
Em 1975, aproximadamente 80% das trocas de uma moeda nacional por outra eram realizadas por meio de negócios entre compradores e vendedores de produtos e serviços. Os restantes 20% eram empregados em transações especulativas de compra e venda de moedas pelos bancos, empresas etc. Para entender isso, tomemos como base a moeda do Brasil em março de 2002: os especuladores compram o dólar na baixa ou quando ele está com um certo valor, digamos de R$ 2,40; uma grande compra provoca, por sua vez, uma diminuição de oferta dessa moeda no mercado; a diminuição da oferta acarreta o aumento de seu valor de câmbio ou de troca, isto é, ele passa a ser negociado a um valor maior, suponhamos, de R$ 2,48; se o especulador achar interessante, colocará no mercado os dólares (comprados anteriormente a R$ 2,40) e os venderá por R$ 2,48.
Como o especulador tem grande poder de compra, ou seja, pode comprar milhares ou milhões de dólares, o seu lucro com a venda dessa moeda torna-se gigantesco em poucos dias ou semanas.
Com a globalização, o que ocorreu? Aumentou a atividade especulativa sobre as moedas. Calcula-se que, em 1997, as transações especulativas de compra e venda de moedas absorveram 97,5% do total das trocas de uma moeda nacional por outra, ou seja, apenas 2,5% representaram trocas comerciais por produtos ou serviços.
Os especuladores cambiários (de câmbio, de compra e venda de moedas) são os bancos e as empresas constituídas para tal fim.
A internacionalização das finanças e o aprofundamento da economia especulativa de moedas somente se tornaram possíveis graças à liberalização e à desregulamentação das economias nacionais, mas também em virtude do avanço, nos últimos vinte anos, da tecnologia da eletrônica, que permite a movimentação instantânea de dinheiro por intermédio das redes de computadores integradas em escala global.
Essas tecnologias e outras, fruto da Terceira Revolução Científica e Tecnológica, romperam as distâncias na comunicação. Os lugares mais distantes tornaram-se muito próximos. Com um simples aperto da tecla do computador, esperto do mercado financeiro transferem milhares ou milhões de dólares da Bolsa de Valores de um país para o outro.
Há, na verdade, com a globalização, um crescente interesse pela instabilidade do câmbio ou do mercado de moedas nacionais por parte dos especuladores. As grandes oscilações das taxas de câmbio ou dos valores das moedas nacionais — principalmente nos países chamados pelos especuladores e pela mídia de mercados emergentes (Brasil, México, Índia, Coréia do Sul, Taiwan, Malásia, Indonésia, Argentina etc.) — possibilitam aos especuladores grandes lucros.
E importante ressaltar que esses investimentos em moedas não são investimentos produtivos, ou seja, investimentos na abertura de indústrias, no comércio, no setor de prestações de serviços ou na agropecuária, enfim, em atividades que geram empregos e riquezas. São investimentos que beneficiam apenas aqueles que possuem o grande capital e prejudicam a maioria da população, pois esses ataques especulativos deixam as economias nacionais desequilibradas, geram falências, desemprego e encarecem os produtos, complicando ainda mais a vida da população de baixa e média renda.
Vê-se assim que a liberalização e a globalização dos mercados financeiros são um grande presente para o grande capital. Permitem que eles atuem em escala global, ou seja, em todo o mundo, independentemente dos desastres que causam para as economias e sociedades nacionais.
Alteração na divisão internacional do trabalho (DIT) ou nova distribuição territorial das empresas
Com a globalização, observa-se a alteração da divisão internacional do trabalho, cujo conceito já estudamos no capítulo 5. Surgiu uma nova DIT no interior das próprias empresas transnacionais, ou seja, a distribuição das funções produtivas não se encontra mais concentrada num único país, mas espalhada por vários países e continentes. Por exemplo, uma empresa transnacional fabrica um componente de seu produto num país, fabrica outro num segundo país, faz a montagem do produto com os componentes fabricados em outros países num terceiro, enquanto o centro financeiro da empresa está sediado num outro país, geralmente no país de origem da transnacional. E, portanto, uma nova DIT, realizada segundo estudos feitos pelas transnacionais com a finalidade de obter vantagens (redução dos custos de matérias-primas e mão- de-obra, redução ou isenção de impostos por parte dos países onde ela se instala etc.). Possuindo um eficiente sistema de distribuição e contando com sofisticados sistemas de transporte e comunicação, que “encurtaram” o espaço mundial, os seus produtos chegam a todos os cantos ou lugares do mundo.
A fragilização dos Estados nacionais
Com a globalização observa-se uma mudança significativa da função do Estado. De protetor das economias nacionais e provedor do bem-estar social, ele vem se adaptando à nova realidade globalizada ou à nova ordem (ou desordem) mundial. O Estado assumiu a função de agente executor da adaptação das economias nacionais às exigências da economia globalizada, comandada pelas grandes corporações transnacionais, pelo FMI e pelo Banco Mundial.
Como já citamos na página 78, a fragilização dos Estados nacionais e de suas sociedades se deu com a aplicação do receituário ditado pelo grande capital:
• abertura das economias nacionais para o exterior, facilitando, por conseguinte, a entrada de produtos estrangeiros;
• desregulamentação das economias nacionais, ou seja, o fim das dificuldades, dos obstáculos ou regulamentos à entrada de capitais estrangeiros em setores das economias nacionais que antes eram protegidos pelo Estado, como, por exemplo, telefonia, eletricidade, petróleo etc.;
• privatizações das empresas estatais, principalmente na década de 1990, quando muitas delas foram compradas por empresas transnacionais, nacionais em todo o mundo. No Brasil, por exemplo, a telefonia fixa e a móvel foram compradas, em grande parte, por empresas estrangeiras; o mesmo ocorreu nos setores siderúrgico, petroquímico, bancário, editorial , nos serviços de eletricidade, de transportes etc., o que provocou desnacionalização das atividades econômicas ou da economia.
Em meio a todas essas mudanças ou fluxos, a questão ambiental surgiu, a partir da década de 1970, com uma força sem precedentes na história das sociedades humanas (veja o quadro 6.C). Isso ocorreu por causa da degradação da natureza, dos ambientes naturais e humanos e dos ecossistemas, resultante das revoluções industriais e das novas relações entre as sociedades e a natureza, nas quais se inclui o novo modo de viver,que tem como base a sociedade de consumo.
Assim, o espaço geográfico vem sofrendo grandes transformações com a globalização. Isso se manifesta por meio de novas localizações industriais, especializações produtivas de regiões ou países, impactos das novas tecnologias no meio ambiente, na produção e na sociedade, reorganização de espaços urbanos, tanto dos países desenvolvidos quanto dos subdesenvolvidos ou em desenvolvimento, para se adaptarem à nova realidade histórico-espacial, na qual se destaca a conexão com as redes mundiais de comunicação, comércio, finanças, produção e turismo.
Além do espaço geográfico, o tempo também está em transformação. Prova disso são os meios de transporte cada vez mais rápidos e os meios de comunicação global instantâneos: internet, tevê a cabo e fax. Espaço e tempo assumiram, por causa da Terceira Revolução Científica e Tecnológica, outra dimensão e duração: as distâncias espaciais se encurtaram e o tempo da comunicação se tornou instantâneo.
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